segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

MANDELA E A COPA DO MUNDO




Concordo quando criticam o governo brasileiro por investir tanto dinheiro na copa do mundo, que não passa de um show de entretenimento, negligenciando outras necessidades bem mais urgentes do povo. Também concordo quando os brasileiros exaltam a memória de Nelson Mandela por sua luta contra o preconceito racial e suas consequências. Todavia, me incomoda o radicalismo fundamentalista com que se defende essas causas nas redes sociais. A foto de Mandela com a taça da Fifa é só pra lembrar que esse grande homem também apoiou o evento esportivo na África do Sul, e nenhum brasileiro se importou com os gastos públicos nem criticou o já divinizado Mandela. A vida é assim; nossos heróis são falhos, nossos ideais limitados, nossa visão é míope, nossas ambições utópicas...

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

DICA DE LEITURA - A BÍBLIA PÓS-MODERNA



No ano 2000 a editora Loyola publicava uma obra que merece ser considerada entre os estudos literários da Bíblia no Brasil. Trata-se de A Bíblia Pós-Moderna: Bíblia e Cultura Coletiva, que havia sido publicada originalmente em 1995 nos Estados Unidos por uma dezena de estudiosos da religião.

Para introduzir o leitor ao conteúdo os autores começam colocando o básico truísmo que justifica os estudos bíblicos na contemporaneidade: “a Bíblia tem exercido mais influencia cultural no Ocidente que qualquer outro documento”, e como de costume, gastam algum tempo apresentando as limitações e defasagens das abordagens bíblicas tradicionais como a Exegese Histórico-Crítica, que chamam de “crítica histórica” (2000, p. 11-12). Então os autores colocam sua proposta:

[...] defendemos uma crítica bíblica transformada, que reconhece que nosso contexto cultura é marcado por estáticas, epistemologias e princípios políticos muito diferentes dos que predominavam na Europa dos século XVIII e XIX, onde a erudição bíblica tradicional está tão completamente enraizada. Também defendemos uma crítica bíblica transformadora, que se incumba de entender o impacto ininterrupto da Bíblia na cultura e, portanto, tire vantagem dos generosos recursos do pensamento contemporâneo sobre linguagem, epistemologia, método, retórica, poder, leitura, bem como das questões políticas prementes e muitas vezes controversas da “diferença” – gênero, raça, classe, sexualidade e, naturalmente religião – que passam a ocupar o centro do palco tanto em discursos públicos como acadêmicos. (2000, p. 12)

Em suma, os objetivos do livro excedem os limites de uma abordagem literária da Bíblia. Os autores querem expor uma diversidade bem maior de possíveis abordagens pós-modernas da Bíblia, passando pelos estudos da recepção e pela crítica narrativa, mas chegando a tratar de abordagens psicanalíticas, feministas e ideológicas. Essa abertura é considerada uma virtude pelos autores, que criticam, por exemplo, o famoso Guia Literário da Bíblia de Alter e Kermode, que segundo eles se limita a trabalhar “certa forma de crítica literária canônica” e exclui deliberadamente outras abordagens tão atuais e relevantes quanto aquela (2000, p. 17).

Em 2008 João C. Leonel Ferreira escreveu um artigo onde apresentava algumas das publicações nacionais sobre a abordagem literária da Bíblia, e falando de A Bíblia Pós-Moderna, lamentou dizendo: “Infelizmente o texto é matizado por demasiadas questões contextuais norte-americanas” (Ferreira, 2008, p. 5). Lendo a obra, não demoramos muito a entender essa crítica. Para os leitores acostumados às abordagens texto-centradas como a dos demais autores que leem a Bíblia como literatura, essa obra causa estranheza por estar marcada por uma ideologia pós-moderna norte-americana que vê as estratégias de leitura que propõe como atividades políticas, como meios de “questionar as estruturas de poder e sentido predominantes” (2000, p. 13). A posição dos autores é bem colocada nas linhas abaixo:

[...] ler a Bíblia de maneira erudita tradicional significa com demasiada frequência lê-la, com ou sem intenção, de maneiras que reificam e ratificam o status quo – ao permitir a subjugação das mulheres (na Igreja, nos maios acadêmicos ou na sociedade em geral), justificar o colonialismo e a escravidão, racionalizar a homofobia ou legitimar de outro modo o poder de classes hegemônicas. (2000, p. 14)

O que vemos é que os autores identificaram as leituras bíblicas tradicionais como arcaicos mantenedores de certos valores que eles (e a sociedade pós-moderna) consideram superados. O projeto, portanto, quer propor novas leituras que não tragam em seu encalço os resquícios dos tempos em que o machismo, a escravidão, a homofobia e o totalitarismo religiosos eram biblicamente legitimados. Noutras palavras, seus objetivos excedem os limites da crítica literária, do prazer estético, e os leitores brasileiros por vezes se veem diante de um embate de acadêmicos religiosos norte-americanos que estão numa luta legítima contra um fundamentalismo religioso que não alcançou tanto poder nessa parte da América.

Tentando agir de forma coerente com seu projeto ideológico os autores produziram uma obra coletiva. De fato, não há hierarquias nessa produção conjunta; os autores dos capítulos não são nomeados e se comunicam sob a identidade coletiva identificada apenas por um “nós”. Tudo isso é explicado na introdução da obra como uma tentativa de transformar as práticas autorais e editoriais correntes, também maculadas pelos antigos valores, pelo desejo de controlar a produção literária e seu sentido (2000, p. 25-28). Os nomes dos autores as respectivas vinculações acadêmicas só aparecem nas “orelhas” do livro, onde contatamos que todos estão envolvidos com os estudos bíblicos ou religiosos nos Estados Unidos ou Canadá, o que, ao lado da publicação brasileira pela Loyola, justifica a inclusão desse livro entre as obras que contam com uma mediação religiosa desde a produção até a leitura.[1]
Em todo caso, vale a pena a leitura. Trata-se de uma obra atual, escrita em linguagem acessível e que, apesar dos apelos norte-americanos, pode colaborar com o amadurecimento do leitor brasileiro.






[1] Os autores serão aqui citados em ordem alfabética a partir de seus sobrenomes, e de cada um, mencionaremos o departamento em que trabalhava na época da produção do livro: AICHELE, George, do Departamento de Filosofia do Adrian College. BURNETT, Fred W., do Departamento de Estudos Religiosos da Anderson University. CASTELLI, Elizabeth A., do Departamento de Religião do Barnard College. FOWLER, Robert M., do Departamento de Religião do Baldwin-Wallace College. JOBLING, David., do St. Andrew’s College e Ex-presidente da Sociedade Canadense de Estudos Bíblicos. MOORE, Stephen D., do Departamento de Religião da Wichita State University. PHILLIPS, Gary A., do Departamento de Estudos Religiosos do College of the Holy Cross. PIPPIN, Tina, do Departamento de Bíblia e Religião e no Programa de Estudos da Mulher no Agnes Scott College. SCHWARTZ, Regina M., do Departamento de Inglês da Northwestern University. WUELLNER, Wilhelm, da Pacific School of Religion e da Graduate Theological Union.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

SOBRE O USO NÃO AUTORIZADO DO MEU TEXTO

Amigos, volto a escrever para dizer que estou bastante insatisfeito com alguns acontecimentos.

Descobri recentemente que um de meus textos favoritos, escrito para esse blog, está sendo comercializado na internet por outro suposto autor. O texto é "Como Usar a Bíblia para o Mal": 


 http://compartilhandonoblog.blogspot.com.br/2010/02/como-usar-biblia-para-o-mal-10.html?showComment=1383573174274#c7002984278253172059

Parece foi composto um livro digital e esse meu texto é parte dele. Meu trabalho está sendo usado integralmente, e sem que eu tenha sido avisado ou autorizado seu uso. Vale observar que nos comentários ao texto original aqui no blog há um leitor chamado "jairoluix", o mesmo que deixa comentários em diversos blogs da internet que fornecem argumentos anti-cristãos. Não sei se esse leitor é o responsável pelo suposto crime, mas o autor que vende livros na internet se chama Jairo Luis.

Estou examinando o caso para tomar as providências cabíveis.

Anderson de Oliveira Lima

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

NOVO ARTIGO PUBLICADO: DEBATES SOBRE A ORIGEM DO EVANGELHO DE MATEUS



Amigos, venho informar que mais um artigo meu foi publicado e está disponível. Dessa vez o espaço nos foi cedido pela revista Ciências da Religião: História e Sociedade, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

O artigo fala sobre o Evangelho de Mateus e suas origens, seu local de nascimento, discutindo as hipóteses mais comuns a esse respeito para chegar à minha própria posição. A discussão é parte das minhas atividades acadêmicas há anos, pelo que acredito oferecer nesse aspecto um posicionamento atual e de valor para os estudiosos dessa área.

Acessem a revista e baixem o arquivo em pdf:  http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/cr/article/view/5729

terça-feira, 14 de maio de 2013

O ISLAMISMO E A HERANÇA JUDAICO-CRISTÃ




1 – Os Mitos Fundantes que Aproximam Judeus e Muçulmanos
Não há dúvidas de que as raízes do Islamismo estão vinculadas à herança do judaísmo e do cristianismo, religiões que o precederam e na época de sua origem (começo do século VII EC.) já haviam sedimentado suas tradições escritas e os principais dos seus dogmas. Isso não é novidade; o próprio islamismo procurou vincular, até com exageros, a figura de Maomé à memória do patriarca hebreu Abraão.
Sobre Abraão nós podemos ler no livro bíblico de Gênesis a partir do capítulo 12. Nas narrativas, ele foi chamado por Deus para dar origem a uma nova nação, um povo eleito por Deus, através do qual todas as nações da terra seriam abençoadas. Na Bíblia, é obvio que a história de Abraão e sua descendência é contada como mito fundante do povo hebreu, mas segundo as lendas sobre as origens do islamismo, Maomé seria um descendente de Abraão. Diz-se até que o próprio Abraão teria construído em 2000 AEC. a Caaba, uma estrutura de granito localizada no centro da grande mesquita da cidade de Meca, na qual está incrustada uma pedra negra que supostamente veio do céu.
Em Gênesis, uma crise marcante é instalada no texto quando, apesar da promessa divina de que Abraão (ou Abrão) seria o pai de muitas nações, lemos que sua esposa era estéril. Além disso, Abraão e Sara (ou Sarai) já tinham idade avançada, e o próprio Abraão começa a duvidar das promessas (Gn 15.1-7). O capítulo 16 é marcante, pois conta que Abraão e sua mulher tentam solucionar a crise entre a promessa divina e a limitação física gerando um filho de Abraão com uma escrava (v. 1-3, 15-16), e dessa decisão nasce Ismael. Segundo o texto bíblico o privilégio da escrava Hagar gera ciúme em Sara, um conflito que prenuncia pela primeira vez a rivalidade entre judeus (filhos legítimos) e árabes (filhos bastardos) (Gn 16.4-12).
Depois de uma longa lacuna a história bíblica continua no capítulo 21, quando já idosa Sara finalmente (e milagrosamente) gera o verdadeiro descendente de Abraão, Isaque (v. 1-7). Passado alguns anos, o conflito crescente entre Ismael e Isaque força a separação entre os dois irmãos. Abraão escolhe proteger Isaque, ouve as reclamações de sua esposa e expulsa sua escrava com o menino, que todavia, seriam acolhidos por Deus (v. 8-21). Nesse ponto Ismael simplesmente desaparece das narrativas, mas sua passagem deixa com o leitor a promessa de que ele também daria origem a uma grande nação. Essa narrativa talvez reflita a certeza por parte dos autores e redatores bíblicos de que um numeroso povo árabe que habitava as regiões desérticas do oriente próximo tivera uma origem comum à deles, mas a lacuna deixada pela narrativa quanto à vida de Ismael, seu destino e a concretização da promessa divina seriam aproveitadas pelo islamismo. Para os muçulmanos, parte dessa história é real. Ismael não seria o bastardo, mas o verdadeiro herdeiro da promessa divina, pelo qual a sucessão patriarcal viria e a fé de Abraão seria preservada. Esse traço interdiscursivo é testemunha das proximidades que desde o princípio essas religiões mantiveram, e um modo de o islamismo se posicionar harmoniosamente dentro de uma já consolidada tradição religiosa judaico-cristã que dominava o mundo em que ele nascia.
Como sabemos, para os muçulmanos Maomé é uma figura digna de extrema admiração e respeito por ter sido o último dos profetas de Deus. Mas nem por isso ele é considerado alvo de adoração. Ele está acima dos patriarcas, acima dos profetas anteriores, e assume um posto similar ao de Moisés para os judeus. Só o cristianismo dentre as três religiões acabou divinizando seu suposto fundador. Vejamos alguns dos versículos do Corão que falam sobre sua relação com o judaísmo e o cristianismo:

Surata 2.134-137: Aquela é uma nação que já passou; colherá o que mereceu e vós colhereis o que merecerdes, e não sereis responsabilizados pelo que fizeram. (Eles) disseram: Sede judeus ou cristãos, que estareis bem iluminados.
Responde-lhes (vós): Qual! Seguimos o credo de Abraão, o monoteísta, que jamais se contou entre os idólatras.
Dizei: Cremos em Deus, no que nos tem sido revelado, no que foi revelado a Abraão, a Ismael, a Isaac, a Jacó e às tribos; no que foi concedido a Moisés e a Jesus e no que foi dado aos profetas por seu Senhor; não fazemos distinção alguma entre eles, e nos submetemos a Ele.

2 – As Origens do Corão
Não é por acaso que o islamismo seguiu a tradição dos judeus e cristãos compilando também as “revelações” dadas ao seu profeta sob a forma de um livro, que ganharia rapidamente valor normativo. Seguiu-se também o modelo judaico-cristão no que diz respeito à produção de uma tradição religiosa escrita. O Corão supostamente reúne as revelações de Deus feitas ao profeta Maomé através do anjo Gabriel, e traz instruções para a crença e a conduta do seguidor da religião, embora não fale apenas de fé, mas também de muitos aspectos sociais e políticos do seu tempo. Assim como ocorre com a Bíblia, os leitores geralmente aceitam o livro canônico e não questionam seu processo redacional, mas o Corão também nasceu de supostas revelações divinas que Maomé, analfabeto como Jesus e seus discípulos, transmitia oralmente. Conta-se que Maomé e seus primeiros seguidores foram perseguidos por grupos rivais e tiveram que deixar a cidade de Meca, partindo para Medina em 622. Esse evento é chamado de Hégira, e marca o começo histórico do Islamismo. Foi a partir daí que essas memórias religiosas começaram a ganhar a forma escrita em língua árabe, e em fragmentos cujos suportes eram o couro, ossos, madeira etc.
 Outra tradição relevante sobre esse processo é que o sucessor imediato de Maomé, o califa Abu Bakr, teria encomendado uma primeira compilação do material fragmentário, livro que teria sido destruído décadas depois, quando outro califa empreendeu um processo reacional que revisou e ampliou a coleção original. Para assegurar a sacralidade do Corão, muitos afirmam que a preservação da memória de Maomé e sua reprodução escrita foi perfeita, milagrosa, mas é certo que os estudiosos empreendem a comparação de manuscritos e de variantes textuais, assim como fazem com a Bíblia.

O Corão está dividido em capítulos e versículos; são 114 "suratas" (capítulos) com vários versículos cada, mas é particular nessa literatura que ele foi escrito em árabe, pelo que com o tempo tornou-se de difícil compreensão mesmo para os adeptos. Há quem afirme que o Corão (que literalmente traduzem por “recitação”) foi produzido para a leitura ritual, isto é, para a recitação religiosa, e não para a leitura e meditação, pelo que muitos afirmam não ser correto tomá-lo como mero objeto de reflexão. Os rituais religiosos muçulmanos devem, portanto, sempre reservar um importante espaço para a recitação, para a leitura em voz alta do texto sagrado que é quando realmente Deus se manifesta.
Segundo a tradição, foi em Medina que Maomé e seu livro sagrado ganharam fama, o que parece improvável já que como vimos, esse livro provavelmente não estivera pronto durante a vida de Maomé. Mas parece certo que o próprio profeta retornou a Meca (e até hoje os muçulmanos peregrinam até Meca numa grande festa religiosa e repetem simbolicamente a viagem do projeta), e ali sua religião se consolidou, dando a oportunidade de que em poucas décadas os adeptos tivessem acesso a uma tradição fixada por escrito. Dizem que quando Maomé morreu a maior parte da Arábia já era muçulmana. Um século depois, o islamismo era praticado da Espanha até a China, e hoje é a religião que mais cresce no mundo, contando com algo em torno de 1,3 bilhão de adeptos.

3 – Islamismo Contemporâneo
Os muçulmanos dos nossos dias estão divididos entre grupos distintos e às vezes rivais. Dentre eles se destacam os sunitas, o grupo majoritário, e os xiitas, os quais também contam com variações. De forma geral os primeiros se caracterizam pela aceitação da autoridade de uma tradição secular de califas, que deram sequencia ao trabalho do profeta Maomé conduzindo a fé islâmica. Os xiitas, que reúnem apenas cerca de 10% dos muçulmanos, criaram uma divisão no islamismo por adotar Ali, um primo de Maomé, como o herdeiro legítimo do poder islâmico após a morte do profeta. Ou seja, esses últimos rejeitam a sucessão adotada pelos sunitas, pelo que até hoje existem sérias divergências entre esses dois grandes grupos. Dos grupos muçulmanos mais extremistas, boa parte está ligada ao islamismo de tradição xiita, que são mais numerosos em países como o Líbano, Irã e Iraque.
Em 1979 houve uma chamada “revolução iraniana” liderada pelo clero xiita, que derrubou uma monarquia pró-Ocidente. A partir daí o islã virou sinônimo de fanatismo e terrorismo aos nossos olhos. Embora atos de radicalismo e violência religiosa existam, temos que lembrar que são minoria. Na Arábia Saudita, onde mais de 90% da população é sunita, quem rouba ainda tem a mão cortada, e quem mata injustamente é executado em praça pública. Estes são alguns resquícios de um radicalismo muçulmano minoritário cada vez menos praticado, tanto é, que hoje a maioria dos países muçulmanos está reconhecendo os direitos das mulheres, permitindo a elas que trabalhem ou que usem roupas modernas junto com os tradicionais véus, coisas inadmissíveis antigamente.
A base da fé islâmica é o cumprimento dos desejos do “único” Deus, assim como a fidelidade à mensagem do Corão. Este livro sagrado é para eles a continuação de uma grande linhagem de profecias, trazidas por figuras que fazem parte dos livros sagrados dos judeus e cristãos. Mas além dessas leis gerais, há outras cinco regras mais específicas a serem cumpridas:
1.     Todos devem pronunciar a “chahada”, uma declaração de fé que diz: “Não há outra divindade além de Deus e Mohammad é seu Mensageiro”.
2.     Devem realizar cinco orações por dia, no ritual chamado "salat". Essas orações não precisam ser feitas nas mesquistas, mas nelas, algum membro experiente da comunidade recita versos do Corão em árabe, e depois todos fazem suas súplicas pessoais em seu próprio idioma. As orações são feitas no amanhecer, ao meio-dia, no meio da tarde, no cair da noite e à noite.
3.     O muçulmano deve ajudar quem precisa, e este é o chamado "zakat". A caridade é uma obrigação, mas deve ser voluntária e, de preferência, em segredo.
4.     Eles também jejuam durante o mês sagrado do Ramadã. Nesse período, todos os muçulmanos (capazes) devem jejuar durante o dia, além de absterem-se de bebida e sexo. Os “incapazes” podem fazer caridade em lugar dos jejuns, ou simplesmente o guardar noutro período.
5.     Realizar a peregrinação a Meca, o "haj". Todos os muçulmanos (capazes) devem realizar a peregrinação pelo menos uma vez na vida. Todos os anos, cerca de 2 milhões de pessoas de todas as partes do mundo se reúnem em Meca com vestimentas modestas para eliminar as diferenças de classe e cultura durante suas festividades.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

REFUTAÇÕES AO KARDECISMO



Permitam-me iniciar este ensaio falando de seu autor: sou cientista da religião, especialista em literatura bíblica, e atuo também como crítico literário que estuda algo de linguística, semiótica, e lido quase sempre com textos clássicos. Flerto ainda com a historiografia, especialmente com a teoria da história, e na prática trado do mundo romano, do judaísmo formativo e do cristianismo primitivo. Por fim, sou bacharel em música, embora minha prática ao violão tenha se tornado apenas um hobbie eventual atualmente. Não manuseio essas áreas do conhecimento de maneira individualizada, mas por serem partes do que sou como indivíduo e pesquisador, cada trabalho que produzo acaba refletindo simultaneamente vários desses conhecimentos. E por qual razão era importante fazer essa apresentação?

O objetivo não é legitimar o conteúdo do ensaio através do elogio ao seu autor (embora seja difícil negar que isso sempre está presente), mas explicar minha antiga produção, quase sempre voltada para o cristianismo, e justificar alguns dos argumentos que empregarei. Por conta dessa experiência acadêmica explicitada, e de outras experiências pessoais que aqui deixo implícitas, quase sempre disserto sobre temas ligados à Bíblia, tecendo duras críticas às práticas religiosas da atualidade ao expor as inadequações de seus discursos. É assim: falamos mal principalmente daquilo que somos, dos movimentos sociais e religiosos de que somos ou fomos parte. Mas se porventura fiz a alegria de outros ao criticar o cristianismo e em especial os movimentos evangélicos, agora proponho um breve desvio nessa carreira para falar do kardecismo, com o qual tive apenas algum contato indireto.

Deixo exposta minha parcial ignorância quanto ao tema, mas ainda assim faço questão de me expressar com liberdade, expondo pontos de vista pessoais que, obviamente, podem ser contestados por quem se julgar mais apto. Farei três breves refutações ao kardecismo, explicando os principais motivos pelos quais tal escolha religiosa não me agrada. Essas refutações (Deus me livre!) não seguirão os moldes das argumentações cristãs, apologéticas, com citações bíblicas e afirmação de dogmas tradicionais que classificam o diferente como herege; escolho outro caminho cuja validade e eficácia caberá ao leitor julgar.



1 – Uma religião pseudocientífica

A primeira refutação que faço diz respeito às pretensões do kardecismo à racionalidade, à cientificidade. Hoje, como cientista da religião, considero toda tentativa de se empregar ciência na argumentação religiosa inapropriada. Em geral, os dados científicos, as teses, nada acrescentam à fé, que sempre está baseada em fatores cuja comprovação científica é impossível. Por isso começo minhas refutações ao kardecismo desse ponto.

Considere: os pontos mais importantes de uma religião são sempre os não empíricos. Ninguém vai provar a existência ou inexistência de Deus, de espíritos, de reencarnações, nem vai ter como afirmar se Jesus ressuscitou ou não. Não é possível demonstrar que um livro sagrado foi realmente composto sob inspiração divina, se um oráculo recebido é real ou imaginário, e assim por diante. A lógica e a racionalidade humanas são incompatíveis com essas experiências religiosas, pelo que quase sempre, quando alguém emprega argumentos desse tipo na religião, está tentando legitimar alguma coisa, impressionar os destinatários do sermão, tornar mais eficaz o apelo do discurso. Além disso, nesse tipo de argumentação pseudocientífica sempre há limitações; o religioso faz escolhas dentre as muitas afirmações feitas num determinado campo do conhecimento acadêmico, e alcança a admiração dos leigos que não notam que há muitas outras afirmações científicas contrárias à sua religião que não entraram no sermão. Assim, os usos que as religiões fazem das ciências são quase sempre interesseiras, limitadas; melhor seria se as religiões se mantivessem apoiadas nas suas experiências fé naturalmente incontestáveis, convidando as pessoas a experimentá-las apenas. 
O kardecismo se apresenta exatamente como uma religião moderna, racional, crítica, que supera algumas limitações da linguagem religiosa antiga, considerada simplória, cheia de mitos e superstições. Que as religiões antigas são cheias de mitos e superstições é verdade, mas que o kardecismo é racional e moderno, isso já não é mais verdade. O kardecismo é uma religião nova, nasceu na França na primeira metade do século XIX, justamente no centro mundial do iluminismo e de expoentes filosóficos como Diderot (1713-1784) e Voltaire (1694-1778), e como era de se esperar, produziu um discurso adequado à mentalidade daquele mesmo ambiente que com poucas exceções, ainda exaltava as virtudes do conhecimento como se ele fosse a saída para a construção de um mundo ideal. Essa linguagem iluminista era inevitável, e até necessária para uma nova religião que precisava se firmar num mundo cujas convicções filosóficas construíam sujeitos avessos às religiões de modo geral.

Para os nossos dias, essa linguagem pseudocientífica, pseudorracional, comum aos textos do kardecismo originário, pode até agradar a uma classe média que lê Superinteressante, assiste ao Fantástico, e se considera “antenada” quanto aos avanços das ciências, mas é difícil que verdadeiros cientistas ainda se iludam com essas pretensões antiquadas. Julgo que o kardecista de hoje precisa renunciar a essa linguagem e se prender a seus contatos mediúnicos se quiser ser levado a sério. A estratégia de sobrevivência do kardecismo originário se tornou um problema para o kardecismo do século XXI, mas se ainda impressiona a alguns, é porque nas sociedades humanas ainda existem resquícios daquele iluminismo superado há mais de dois séculos, que sobrevive na ambição cientificista daqueles que não são cientistas.



2 – O sincretismo religioso no kardecismo

      Além de ter nascido num período imediatamente pós-iluminista, de ter produzido um discurso que parecesse atraente aos racionais daquele tempo, temos que levar em conta que o kardecismo nasceu numa França cristã. Se o ateísmo era uma boa opção (do tipo religiosa) para alguns, outros seguiam mantendo suas tradições católicas romanas ou protestantes calvinistas (esses últimos chamados de huguenotes na França). Como toda religião que nasce, o kardecismo naturalmente também se ocupou de se fazer atraente aos religiosos, produzindo um tipo de sincretismo particular entre cristianismo e espiritismo.

Para falar mais desse tipo de sincretismo observável no nascedouro das religiões, lembremos que o cristianismo nasceu como uma forma de judaísmo, e em vez de criar uma ruptura brusca e radical, fê-lo de maneira gradual e sincrética. Isto é, o cristianismo tentou ser o novo judaísmo, adotou suas tradições e memórias, seus livros sagrados por mais que destoassem dos ensinos de Jesus, e só se tornou uma nova religião quando o próprio judaísmo o rejeitou. O mesmo fez o islamismo: o profeta Maomé escrevia em Árabe e no século VI, mas fez questão de se incluir numa tradição literária e religiosa judaico-cristã, dando em sua própria religião um lugar para os patriarcas hebreus, para Moisés, para os profetas do Antigo Testamento, para Jesus, e para os textos sagrados deles todos eles. Certamente é possível dizer algo parecido sobre o protestantismo em relação ao catolicismo, sobre os movimentos evangélicos em relação aos protestantes históricos etc.

            Deveras, se uma nova religião nascesse numa França cristã como aquela do século XIX e simplesmente afirmasse que tudo o que o cristianismo já dissera era mentira, sofreria ataques e poucas chances teria de subsistir. Novamente, notamos que o kardecismo tomou o caminho certo, porém, esse mesmo caminho é sua fraqueza para o observador de hoje. Tenho em mente a obra de Allan Kardec chamada “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, publicada em Paris em 1864. Essa obra dá conta desse sincretismo, trata dos evangelhos canônicos do Novo Testamento sob a ótica da doutrina espírita, mas comete inúmeros equívocos que justificam minha refutação.

            Falando agora como especialista no Novo Testamento, é fácil notar que o autor, mesmo que afirme escrever sob orientação dos espíritos, não conhece o Novo Testamento grego. Ele deve ter lido a Bíblia que tinha em mãos, em língua francesa, e adota várias teorias sobre autoria dos livros bíblicos que a crítica moderna desacreditou. Se o conteúdo da obra de Kardec é realmente um produto espiritual, diríamos que pouco conhecimento bíblico possuíam os tais espíritos. Se nalgum ponto algum personagem célebre das narrativas bíblicas se expressa por meios mediúnicos (um apóstolo falando do evangelho que traz seu nome, por exemplo), temos que reconhecer a falsidade da autoria, posto que há muito se sabe que o tal apóstolo não escreveu aquele texto canônico, nem tampouco dera ao seu primeiro texto o sentido que agora é sugerido na obra espírita.

É por notar limitações dessa espécie que eu digo que o sincretismo é uma fraqueza do kardecismo. Se Kardec tivesse nos escrito sobre suas experiências com espíritos desencarnados, sobre sua crença na reencarnação, nada teríamos a fazer, a não ser aceitar ou rejeitar suas ideias e imperativos. No entanto, como ele falou sobre o cristianismo, colocou-se nas mãos dos estudiosos do cristianismo e da literatura bíblica, que hoje encontram as imprecisões de seus argumentos vendo-o como um leitor da Bíblia em harmonia com os conceitos e tradições cristãs conhecidos por qualquer leigo de meados do século XIX. Esses estudiosos têm, a partir daí, motivos para levantar dúvidas sobre a credibilidade até mesmo das afirmações de caráter religioso e não verificáveis que o mesmo autor deixou. Pior ainda seria se os tais estudiosos, teólogos no caso, aceitando a possibilidade de que tais equívocos sejam mesmo frutos de uma experiência mediúnica, questionar a competência dos espíritos que aconselharam Kardec, o que colocaria em dúvida tudo o que o autor produziu.

Isso nos leva à minha terceira refutação, que não é tão complexa quanto as duas primeiras

           

3 – A inaptidão artística dos espíritos

            Entra em pauta minha sensibilidade artística, decorrente da minha formação como música. Me desprendo agora do cientista da religião e também de Allan Kardec, para expressar em termos bem pessoais, minha opinião sobre as produções artísticas espíritas, aquelas cuja autoria é atribuída a espíritos que atuaram por meio de médiuns (ativos).

            Reconheço que é difícil discutir a fonte de algumas manifestações espirituais tais como a psicografia. Não podemos simplesmente dizer que sempre são fraudes. Porém, ainda que se não se possa desmentir a própria mediunidade, a intervenção espiritual na criação de textos, quadros, músicas etc, ainda é possível avaliar o resultado, do mesmo modo como avaliei o uso que o “O Evangelho Segundo o Espiritismo” fez do Novo Testamento e das tradições cristãs. Nesses casos, a suposta espiritualidade ganha materialidade, e nessa forma pode ser examinada.

Sempre fiz questão de dar atenção a tais manifestações, porém, senti falta da surpresa, da admiração que as grandes obras de arte costumam nos proporcionar. As cartas mediúnicas e os romances espíritas geralmente atuam emocionalmente sobre seus receptores, todavia, ainda não tenho conhecimento de um crítico literário renomado que tenha reconhecido o valor literário de uma dessas obras a ponto de dar-lhe lugar entre os “clássicos” canônicos. Isso me decepciona, pois, se há realmente um espírito por trás do livro, tudo me leva a crer que infelizmente ele não é artisticamente superior a Shakespeare, a Dostoievski, a Pessoa, e até a Paulo Coelho. Até onde eu sei nenhum especialista em artes plásticas reconheceu os traços típicos de um grande artista desencarnado numa pintura mediúnica, e pior, pela falta de atenção dada pelos críticos a tais obras, imagino que nenhum médium legou à humanidade pinturas tão primorosas quanto a de um Caravaggio, de um van Gogh, Blake, Monet... 


 Outra vez, só duas conclusões me parecem possíveis, embora eu gostaria de conhecer outras: Primeiro, pode-se supor que tais experiências são falsas, que não há verdadeiros espíritos por trás dessas ações. Que psicólogos e psiquiatras assumam a partir daqui a tarefa de explicar como podem os homens produzir espontaneamente essas obras para as quais afirmam ser inaptos através de seus estados alterados de consciência. Segundo, pode-se tentar manter a ideia de que há espíritos por trás dessas criações, mas nesse caso, volto a dizer que tais espíritos não exibem habilidades e inteligências tão admiráveis quanto pretendem os próprios espíritas, pelo contam com as mesmas limitações humanas. Se essa segunda conclusão é a correta, será que se deve dar tanto crédito ao que tais espíritos dizem? Ao que parece, os mais sábios ou evoluídos deles não costumam dar-se a tais exibições.

Por essas razões ainda prefiro ouvir os conselhos humanos que os dos espíritos, prefiro ler os clássicos que os romances espíritas, visitar as exposições dos grandes artistas do que ter quadros produzidos mediunicamente, e confiaria minha saúde a um cirurgião diplomado nalguma universidade humana em vez de me submeter a uma cirurgia espírita. Essas sãos as minhas escolhas atuais; entende-as como resultados das minhas reflexões, e não como convites aos meus leitores. Sobre as cirurgias realizadas através de experiências mediúnicas prefiro não me estender. Deixo aos médicos a tarefa de as criticar, embora acredite que nalguns aspectos essas intervenções espirituais na matéria se assemelhem àquelas artísticas que acima critiquei.



Considerações Finais

Espero que tenha ficado claro que não estou me colocando contra a religiosidade espírita, mas refutando alguns dos argumentos que o kardecismo emprega para se legitimar nas sociedades humanas até hoje. Como tentei dizer desde o começo, faço isso constantemente quando falo do cristianismo, e nem por isso qualquer dos meus argumentos levam as pessoas a abandonar suas igrejas e sua fé em Jesus. Do mesmo modo, os kardecistas que porventura se depararam com esse texto devem saber que não procuro os conduzir à conversão. Seria bom que, se alguma das minhas refutações parece razoável ao leitor kardecista, ele a desenvolvesse no seio da sua religião, para eliminar tais limitações que nos dias atuais são contraproducentes à experiência religiosa e aos ensinamentos morais espíritas que, sem dúvida, têm o seu valor.