quarta-feira, 16 de maio de 2012

TEOLOGIA E LITERATURA BÍBLICA: UMA INTRODUÇÃO (Parte 1)




Sou um estudioso da religião. Mais precisamente, me tornei, a partir de minha carreira acadêmica, um cientista da religião. Passei algum tempo num seminário teológico, mas depois me voltei definitivamente para aquilo que realmente chamava minha atenção, que é a literatura bíblica, e embora esse objeto de pesquisa possa servir a outras áreas do conhecimento como à história antiga, à literatura clássica, à sociologia, antropologia etc, não dá para negar que a Bíblia é para a nossa cultura essencialmente um livro religioso, pelo que me encontro amarrado ao estudo da religião mesmo quando proponho outras ênfases às minhas leituras. Quer dizer que sou um profissional que aparentemente terá toda a carreira ligada a públicos religiosos, especialmente nas faculdades de teologia. Este é um destino que não me assusta, mas que exige constante reflexão teórica, para que minhas abordagens literárias ou históricas continuem se mostrando relevantes aos estudos da religião.
Diante das constatações que acima fiz sobre meu próprio lugar de atuação, coloco-me a pensar a respeito desse campo do conhecimento no qual tenho me inserido, que é a teologia. As páginas que começo a escrever aqui de maneira bastante pessoal e objetiva, querem dar início a uma reflexão sobre a teologia como área do conhecimento acadêmico, temática nada original, e sobre o lugar da literatura bíblica, minha especialidade, nesta disciplina. Sem grandes pretensões, espero oferecer uma espécie de introdução ao pensamento teológico útil a todos os interessados na teologia, mas que esteja voltada para minha própria área de atuação, situando o estudo acadêmico da literatura bíblica dentro deste amplo ramo do conhecimento científico contemporâneo.

Primeiras Definições
            Não sou capaz de iniciar qualquer reflexão sobre a teologia sem que minha atenção se desvie para a formação paradoxal da própria palavra “teologia”. Mesmo olhando-a assim, a grosso modo, é fácil notar a que paradoxo me refiro. A “teologia” amarra os substantivos gregos theos (deus) e logia, e esta última pode ser entendida neste contexto como “discurso”. Ou seja, “teologia” é o resultado da reflexão humana sobre deus; ou ainda, o estudo do discurso humano sobre as coisas de deus. Desta breve observação etimológica notamos, pelo uso do idioma grego e pelo uso de “deus” no singular, que tal definição teve origem no ocidente cristão, onde a racionalidade grega e o monoteísmo cristão reinam há muitos séculos.
Tomás de Aquino, um dos pais da teologia como campo do conhecimento acadêmico, ofereceu a seguinte definição: “A doutrina sagrada trata de Deus e das coisas enquanto se referem a Deus” (Passos, 2011, p. 14-15). Aí temos um primeiro motivo para a reflexão: a chamada “doutrina sagrada” que trata de Deus não pode mais ser diretamente considerada teologia. Acontece que a(s) divindade(s), o “sagrado”, o transcendental... não podem ser objetos de estudo acadêmico. Não se pode colocar um deus nos microscópios ou em nossas mesas para dissecá-lo e compreendê-lo em termos científicos. A própria definição do que é “sagrado” depende acima de tudo de julgamentos humanos, o que faz dele um objeto de estudo da antropologia. Então, a teologia não pode e nem poderá jamais se considerar uma ciência que estuda deus; a “doutrina sagrada” de Tomás de Aquino não é necessariamente sagrada para o cientista, que precisa se debruçar sobre este “sagrado” como quem não crê, para que seus juízos possam ser considerados válidos para a academia.
Então, fiquemos provisoriamente com a definição anterior, a de que teologia é o estudo do discurso humano sobre as coisas de deus. Compreendendo a teologia sobre esta ótica, o estudioso que inicia um curso de teologia deve ficar sabendo que ao longo de sua trajetória universitária não conhecerá deus de nenhuma maneira mais “profunda” do que aquela que porventura julgava conhecer antes; a religiosidade continuará a ser individual e em grande parte dependente das experiências religiosas de cada indivíduo. Mas se é assim, em que nos ajuda a teologia? Como separar devidamente nossas próprias convicções religiosas do conhecimento teológico que precisa assumir ares acadêmicos e sincréticos?

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