quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

LER A BÍBLICA É UMA ARTE OU UMA CIÊNCIA?


Enquanto eu respondia a um comentário deixado no blog, escrevi que quando dedico postagens a temas mais técnicos a “audiência” do blog fica bastante reduzida. A verdade é que as pessoas gostam de polêmicas, gostam quando escrevo sobre a igreja, quando critico dogmas, quando exponho erros de interpretação da igreja... Mas é a metodologia, a ciência aplicada à leitura, que nos permite fazer tais críticas, e por isso aconselho todos a se dedicarem ao menos um pouco à exegese. Caso contrário, ganha a discussão quem escreve de maneira mais elaborada, quem é convincente na argumentação, e não quem está com a razão.

Bom, mas não é por isso que eu quis escrever este texto. Após tantas postagens falando sobre interpretação bíblica, resolvi meditar publicamente sobre outro ponto da exegese, que é a porção artística de sua produção. Pois é, exegese não é apenas ciências, é também uma arte.

Quando fazemos exegese buscamos interpretar o texto bíblico com todos os instrumentos possíveis, tudo em busca de desvendar seu sentido. Queremos que o texto fale ao leitor de hoje como falava nos seus primeiros dias, ou como o autor pretendia que ele falasse. Contudo, por mais rigorosos que possamos ser na aplicação da metodologia científica de análise, o resultado final de nossas exegeses ainda guarda uma boa porção de criatividade, e é isso o que me faz caracterizá-la como arte. É difícil de aceitar, mas nossa ciência acaba sendo também pessoal, inventiva, e isso não é sinônimo de “falsa”.

Antigamente os manuais de exegese diziam que nós estudávamos o texto em busca de seu sentido original, em busca do autor real do texto ou coisa assim. Só que quando lemos as interpretações dos mais diferentes intérpretes percebemos como elas são contraditórias. A história nos deixou tantas e tão variadas leituras da Bíblia, que acreditar que a nossa leitura é a correta tornou-se sinal de ignorância. Hoje, somos menos pretensiosos, e reconhecemos que o sentido original ou o autor real são inatingíveis, e que nós poderemos no máximo nos aproximar disso. Falei disso nas postagens anteriores, mas queria enfatizar que essa parte criativa da exegese não é ruim.

Não somente na interpretação da Bíblia, mas em quase tudo o que fazemos, deixamos nosso toque pessoal, uma parte de nós mesmos, e isso torna nosso trabalho humano. Ainda que seja duro reconhecer que somos só intérpretes arriscando mais uma leitura (que pode até ganhar aceitação e tornar-se uma leitura “oficial” para muita gente), se não fosse assim a Bíblia estaria esgotada. Alguém acharia o seu sentido correto, e perderia o sentido nossa leitura; bastaria ler o que o tal intérprete escreveu, e a exegese estaria morta. Felizmente a Bíblia é um instrumento de fé e criatividade, que alimenta-nos não somente com a divulgação da verdade, mas também com o exercício de nossas vocações.

Se o artista é alguém que possui um dom, que interpreta o mundo e o descreve através de sua arte (seja pela música, escultura, pintura, teatro etc...), nossa maneira de ler a Bíblia também deve ser artística, expressando por meio da exegese, de maneira consciente ou não, a nossa própria maneira de ver o mundo. Difícil é conciliar a ciência, a metodologia, com essa criatividade. Os limites entre erros metodológicos e invenções possíveis são difíceis de notar, mas sempre vale tentar.

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