quarta-feira, 9 de junho de 2010

A MULHER QUE UNGIU JESUS (Parte V)

Hoje, o destaque da análise será a comparação sinótica a partir dos pressupostos da postagem anterior. Não deixe de ler a parte IV de nosso estudo, e volte também ao versículo 7 de Mateus 26, pois é o texto que vamos começar a analisar.

Se você já leu o v. 7 com atenção, deve ter notado que a mulher, embora aparentemente seja importante na narrativa, não possui um nome. Cuidado para não ser influenciado, por exemplo, pelo evangelho de João, que vai mais longe na identificação da mulher; estamos estudando Mateus, e aqui, ela não é ninguém conhecida. O próprio desconhecimento de sua identidade mostrar-se-á uma informação rica futuramente. Assim, o que temos é uma mulher anônima aproximando-se da mesa onde Jesus, os discípulos e provavelmente o leproso Simão, comiam e conversavam. Ela vem trazendo consigo um valioso frasco de perfume e derrama-o sobre a cabeça de Jesus. Essa atitude dá início à discussão que se desenrolará nos versículos seguintes.

Destaca-se em primeiro lugar que o gesto é digno de atenção entre os participantes daquela reunião devido ao valor elevado que todos atribuem ao perfume. Fazendo aqui uma comparação sinótica, ou seja, comparando a versão de Mateus com as similares em Marcos e Lucas, vemos que Mc 14.5, talvez exagerando, atribui ao perfume o valor de trezentos denários, aproximadamente o salário de um ano de trabalho. Como os estudiosos em geral acreditam que esse texto tenha sido copiado de Marcos por Mateus, a dúvida é pelo motivo da omissão proposital deste detalhe em Mateus. Será que este era um valor absurdo para qualquer fragrância e que por isso Mateus tenha optado por excluir essa informação estranha? Pode ser, mas de toda forma Mateus concorda com Marcos em parte, dizendo que aquele produto valia muito (v. 9). Na pior das hipóteses, a mulher demonstrou desprendimento em relação aos bens de valor do mundo (tema recorrente em Mateus e nas fontes do cristianismo primitivo em geral) fazendo um alto investimento em Jesus. Se este investimento foi bem feito ou não, é o que saberemos no decorrer do texto.

Numa exegese de qualidade não escolhemos falar só de pontos que nos chamam a atenção e ignoramos outros que não entendemos ou que nos parecem desinteressantes. Por isso, também temos de considerar que Jesus está reclinado à mesa, ou seja, distraído enquanto provavelmente comia ou conversava com as pessoas presentes. Outra vez comparando os evangelhos sinóticos, notamos que agora foi Mateus quem acrescentou ao texto marcano a descrição de Jesus à mesa, o que nos faz perguntar pelo motivo dessa discreta inclusão. Eu diria que Mateus procurou deixar mais claro que desenrolava-se um típico momento de comunhão com os impuros.

A situação contraditória do Messias comendo com os impuros e recebendo uma dádiva passivamente quer ressaltar exatamente a distância entre a maneira como a mulher via as coisas e como a religiosidade tradicional as via. Em qualquer leitura notaríamos que o gesto daquela mulher desconhecida era favorável a Jesus, mostrando que ela está de acordo com a comunhão de mesa com impuros. Em resumo, o que Jesus fazia era condenável para uns, mas digno de louvor para outros.

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