sábado, 25 de abril de 2009

O INTERDITO DA PIRATARIA NA IGREJA CRISTÃ: SUBMISSÃO PASSIVA À OPRESSÃO

Minhas opiniões em relação à pirataria sofreram mudanças radicais nos últimos meses, principalmente sob a influência de um pequeno artigo que li há aproximadamente quatro meses intitulado A Pirataria e o império. O autor do artigo é Jung Mo Sung, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo; seu texto foi publicado pela editora Paulus num livro chamado Cristianismo de Libertação, de 2008. Na verdade, a leitura que fiz foi breve, e nem posso mais lembrar-me das palavras do autor. No entanto, este texto me conduziu a refletir sobre o tema da pirataria durante esses últimos meses, até que hoje não pude deixar de registrar aqui meus atuais pontos de vista. Portanto, de antemão digo ao leitor que dentre as coisas que direi, não sei mais diferenciar com precisão o que é de Jung Mo Sung e o que é realmente meu. Peço desculpas por isso, mas não creio que tal problema invalide aquilo que será dito.
Pra começar, como alguém que sempre escreveu preferencialmente para um público cristão, quero que o leitor saiba ou se lembre de que a pirataria entrou nos últimos anos para a lista dos interditos da igreja. Quero dizer que, a grande onda de pirataria que presenciamos chamou a atenção das igrejas cristãs, que trataram de colocar tal “pecado” em sua já imensa lista de proibições. Assim, a pirataria que é oficialmente um crime, tornou-se também um pecado, já que a igreja institucionalizada diz seguir incondicionalmente a lei.
Por pirataria nos referimos ao ato de copiar, reproduzir ou comercializar sem a autorização dos detentores dos direitos autorais, produtos como livros, cd’s, dvd’s, softwares etc. A lei assegura ao autor de tais obras, pelo menos por um tempo, o direito de comercializar seus produtos e dele obter lucro, mas em nosso país sub-desenvolvido esse direito vem sendo infringido, e é muito natural as pessoas adquirirem cópias desautorizada de filmes, programas de computador, jogos de videogame ou cópias de livros. Aí começa a batalha.
De um lado, os autores e comerciantes dos produtos legalizados dizem que estão sendo roubados. Isso é verdade se levarmos em conta que a lei diz que eles devem ganhar por cada cópia de livro de cd vendida, por cada vez que um filme é exibido num cinema ou uma música tocada no rádio. Mas seja honesto, você não possui nem mesmo uma “xérox” de uma parte de um livro em casa? Difícil alguém escapar dessa culpa, e alguns justificam-se dizendo que um filme não precisa custar tão caro. Concordo que os preços dos produtos que citei acima são bem elevados, muito acima do custo de produção dos mesmos, demonstrando que o interesse financeiro supera muito o desejo de se compartilhar informação e cultura; todavia, quando se trata de produtos supérfluos como uma música ou um filme, nada justifica sua pirataria. Se estes produtos custam muito, eles devem ser encarados como luxos que nem todos podem ter. Nós podemos, sem muito esforço, abrir mão de comprar esses produtos por preços abusivos, e inclusive, quando se trata de música, as melhores são antigas e de domínio público, ou podem ser adquiridas por preços bem menores do que os lançamentos.

Há quem diga que não copia para vender, e acredita que apenas a comercialização de produtos piratas é crime. No entanto, estão enganados. Na verdade, quando compramos um cd, pagamos pelo direito de ouvir suas músicas quantas vezes quisermos e onde quisermos, e não pela mídia em si; podemos copiá-lo para nossos celulares, gravá-los no computador, levar cópias para o carro etc. Entretanto, se você dá para um amigo que não pagou nada uma cópia do mesmo cd: pronto, é um criminoso! Já disse, não há desculpas para que alguém que não pode adquirir filmes, músicas ou jogos originais, volte-se para produtos ilegais. Essa é, porém, apenas uma das categorias de pirataria que quero discutir, a de produtos supérfluos. A segunda categoria diz respeito aos produtos de grifes ou marcas famosas, que envolvem algumas peculiaridades que merecem destaque particular.

A princípio, podemos dizer dessa o mesmo que foi dito a respeito da primeira categoria. Não precisamos de tênis Nike, de bolsas Gucci, nem de carros Ferrari. Essas coisas podem ser substituídas tranquilamente por outras mais simples, feitas para consumidores de baixa renda. No entanto, gostaria de agora ampliar nossa discussão, demonstrando que as empresas, quando se dizem prejudicadas pela pirataria, não são tão inocentes assim.
Dizem que “alma do negócio” é a propaganda, e é verdade. Por meio de muita propaganda os grandes empresários influenciam a sociedade, atacam seus instintos possessivos levando-os a crer que realmente precisam dos produtos que eles fabricam e exibem. O problema é que com a globalização, uma boa propaganda feita para vender um tênis para a classe média dos Estados Unidos, também cria o desejo de consumo em moradores da periferia do mundo. Os jovens sentem vergonha de ir à escola com suas velhas roupas, e a conseqüência natural das boas publicidades no mundo globalizado é a pirataria. Alguns se esforçam para comprar os produtos importados que lhes conferem status na sociedade, deixam de investir numa educação de qualidade, num seguro de vida ou num plano de saúde, coisas bem mais importantes para a subsistência, e pagam juros sobre juros para poder exibir uma etiqueta aos olhos também desejosos dos seus conhecidos. Outros, menos favorecidos, precisam apelar para que não sintam-se rebaixados, e apelam para os produtos piratas que embora não tenham a mesma qualidade, enganam bem.
A conclusão a que chegamos é que o ávido crescimento da pirataria é resultado das maciças campanhas de marketing elaboradas pelas grandes empresas, que ao convencer o mundo de que seus produtos são importantes, acabam convencendo também um público que não era seu alvo principal, gente que não pode pagar pelo que oferecem, mas que também estão hipnotizados pelos encantos do consumismo. Por fim, testemunha-se o crescimento epidêmico da pirataria e tais empresários ainda acusam os pobres de roubo. Claro, a lei está do lados deles, e queriam ganhar mais, queriam que deixássemos de comer para pagar-lhes absurdos R$ 500,00 num par de calçados. Olhando as coisas por esse ângulo, vemos que os consumidores desses produtos piratas não são tão criminosos quanto dizem, e que os empresários, não são tão vítimas quanto querem nos fazer acreditar. A pirataria é, na verdade, conseqüências natural da política que adotaram, um fenômeno sociológico que nas circunstâncias em que vivemos é difícil de evitar.
Esse debate ainda torna-se mais áspero quando nos voltamos para uma terceira categoria de produtos pirateados, os softwares. Sabemos que os países de primeiro mundo são os grandes produtores desses produtos, e empresas como a Microsoft controlam o mercado internacional garantindo um grande volume de vendas de seus produtos em todo o mundo. Como sempre, esses produtos não são vendidos a preços acessíveis para a maior parte da população brasileira, e por isso os mais talentosos profissionais dos ramos tecnológicos atuam produzindo meios de piratear esses produtos de ponta.

Nesse caso a questão é bastante séria. Imaginemos como seria se realmente um país como o Brasil não tivesse recorrido à pirataria. Qual seria nosso conhecimento de informática hoje? Quantos teriam acesso à internet? Quantos de nós poderiam usufruir dos seus benefícios educacionais? E como teria se dado o crescimento tecnológico da nação nas últimas décadas? Com isso, podemos ver que, não fosse pela pirataria, nosso país estaria ainda mais defasado culturalmente em relação às nações de primeiro mundo. Na verdade, o domínio sobre essa tecnologia, além de enriquecer seus produtores, resulta numa espécie de controle científico sobre os demais, e caso eventualmente apareça um brasileiro dedicado e talentoso, que pôde pagar por um bom curso e tornou-se um excelente profissional capaz de produzir tecnologia nacional de nível similar à estrangeira, não pense que ele ajudará sua nação crescer e competir com os países de primeiro mundo; antes, ele receberá uma proposta irrecusável para trabalhar nos Estados Unidos, no Japão ou na Europa, e acabará oferecendo seu talento àqueles que determinam, pelo controle que também possuem das leis de mercado, até onde nós podemos evoluir.

Diante deste cenário, volto a dizer que o discurso anti-pirataria que normalmente ouvimos nos meios de comunicação é um discurso produzido não pelas vítimas, mas pelos opressores. O mundo diz que eles podem publicar um livro ao custo de R$ 5,00 e vender por R 45,00, limitando o progresso cultural nas periferias, mas eu, se não puder pagar pelo livro, mereço permanecer ignorante. Apesar de alguns exageros meus, para muita gente, a pirataria de softwares foi um caminho essencial para o seu desenvolvimento cultural.

Agora eu peço que o leitor mesmo julgue qual deve ser a posição da igreja cristã diante dessa realidade. Deve a igreja manter-se inculpável diante da lei, repetindo a propaganda capitalista, ou deve, como fez Jesus, seu suposto fundador, confrontar o Estado quando as regras estabelecidas servem para favorecer impérios e oprimir as pessoas simples? Será que as questões que levantamos aqui foram consideradas quando as igrejas criaram interditos que proíbem qualquer tipo de pirataria? Acho que não. É por conseqüência de atitudes irrefletidas como essas que editoras estrangeiras publicam Bíblias, cujo conteúdo é de domínio público, que foram traduzidas para o português há séculos usando linguagens que nem entendemos mais, e as vendem para nós por mais de R$ 100,00 reais.

Bem, deixe-me dizer antes de terminar, para que eu não seja preso pelo que escrevi, que não estou apoiando ou incentivando essa prática “criminosa” que é a pirataria. Se você estivesse aqui diante de mim, para olhar diretamente no meu olho de vidro e apertar minha mão de gancho, saberia que eu nunca apoiaria tal coisa.